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Na noite de 31 de outubro de 2025, uma família de Lisboa sobreviveu milagrosamente a um despiste violento na A1, entre Soure e Condeixa-a-Nova, após a pista ficar escorregadia por causa da chuva intensa. O veículo, um ligeiro de passageiros, capotou na pista sul-norte, no quilómetro 175, por volta das 21h. Três ocupantes — o pai, a mãe e a filha de quatro anos — saíram com ferimentos leves, mas foram socorridos no local e não precisaram de ir ao hospital. O que parecia um acidente isolado revelou uma realidade mais preocupante: a estrada está cada vez mais perigosa no outono.

Uma família no meio da tempestade

José Manuel Silva Santos, 44 anos, Maria do Céu Oliveira Fernandes, 40, e a filha Beatriz Oliveira Santos, de apenas quatro anos e três meses, voltavam de uma visita aos avós em Coimbra quando tudo mudou. Segundo o relato da Guarda Nacional Republicana, todos usavam cinto de segurança — um detalhe que pode ter salvado vidas. O carro, equipado com ABS e controlo de estabilidade, perdeu aderência num trecho onde a água se acumulou em 1,2 mm de profundidade — mais do dobro do limite seguro de 0,5 mm estabelecido pela Direção-Geral dos Transportes Terrestres.

Testemunhas relataram que a visibilidade caiu quase a zero nos minutos anteriores ao acidente. "Foi como se a estrada tivesse virado um rio", disse um motorista que passou minutos depois, em entrevista ao Diário de Coimbra. A Instituto Português do Mar e da Atmosfera confirmou que 28,7 mm de chuva caíram na zona de Condeixa-a-Nova nas 24 horas que antecederam o acidente — o mais intenso da semana.

Resposta rápida, mas infraestrutura lenta

As equipas de emergência chegaram em 12 minutos. A GNR, os bombeiros de Condeixa e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil coordenaram-se sem falhas. A criança foi atendida com protocolos especiais do INEM — mesmo sem ferimentos graves, os profissionais agiram como se fosse um caso de trauma pediátrico potencial. "Nunca se sabe o que pode surgir depois", explicou uma enfermeira envolvida no socorro.

A pista sul-norte ficou fechada apenas na faixa da direita, mas o congestionamento esticou-se por 8 quilómetros até Soure. Cerca de 182 veículos ficaram retidos. O trânsito só voltou ao normal às 23h17 — quase duas horas depois. A Infraestruturas de Portugal retirou os destroços e limpou a pista, mas não anunciou qualquer obra imediata.

Um ponto negro que já avisou duas vezes

Este foi o terceiro acidente no quilómetro 175 em 2025. Em janeiro, dois carros colidiram. Em agosto, outro veículo capotou — sem feridos. Ambos os casos foram registados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. "Não é coincidência. É padrão", afirma o engenheiro rodoviário António Ferreira, da Universidade de Coimbra. "Este trecho tem uma inclinação suave, mas a drenagem é deficiente. A chuva não é a causa — é o gatilho. A causa é a falta de manutenção."

Curiosamente, o mesmo trecho já foi alvo de reclamações em 2023, quando moradores de Miranda do Corvo pediram a instalação de barreiras de segurança e melhorias na drenagem. Nada foi feito. "Agora, a família saiu com vida. Mas a próxima pode não ter tanta sorte", diz Ferreira.

O que está em jogo

A A1 é a espinha dorsal de Portugal. Liga Lisboa a Porto, transporta 20% do tráfego nacional e é vital para o comércio, o turismo e as deslocações diárias. Quando um ponto falha, toda a rede sofre. O acidente de 31 de outubro não foi só um problema de condução — foi um alerta de sistema. O clima está mais imprevisível. As estradas, não.

As autoridades prometeram uma investigação técnica em 15 dias. Mas ninguém disse quando vão agir. Enquanto isso, motoristas que passam por ali sabem: quando chove, o quilómetro 175 vira uma armadilha.

Frequently Asked Questions

Por que a chuva intensa torna a A1 mais perigosa neste trecho?

A zona do quilómetro 175 tem uma drenagem deficiente e uma leve inclinação que favorece o acúmulo de água. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil mediu 1,2 mm de água na pista — acima do limite seguro de 0,5 mm. Isso reduz drasticamente a aderência dos pneus, especialmente em veículos que não reduzem a velocidade. A combinação com o asfalto desgastado e a falta de sinalização específica aumenta o risco de despistes.

Quem é responsável por manter a segurança da A1 neste local?

A Infraestruturas de Portugal é a entidade responsável pela gestão e manutenção da A1. Contudo, os contratos de concessão permitem que a empresa priorize intervenções com base em critérios orçamentais, não apenas em risco. Apesar de três acidentes em 2025, nenhuma obra foi programada para o quilómetro 175 — o que levanta questões sobre a eficácia da fiscalização da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Por que a família não foi transportada para o hospital?

Apesar do impacto violento, os ferimentos foram classificados como leves: contusões e pequenos cortes. O INEM segue protocolos rigorosos para crianças, mesmo sem sinais graves. A Beatriz foi avaliada por uma equipa pediátrica especializada no local, que decidiu que o transporte hospitalar era desnecessário. Isso demonstra que os sistemas de emergência estão bem preparados — mas também que a prevenção falhou.

O que pode ser feito para evitar novos acidentes?

Soluções simples e baratas incluem: instalar sinalização de alerta para chuva, melhorar a drenagem com novos canais, e pintar faixas refletoras com efeito "aquaplaning". Estudos da Universidade de Coimbra mostram que essas medidas reduzem acidentes em até 40% em trechos similares. O custo estimado para o quilómetro 175 seria de cerca de 180 mil euros — menos do que o valor médio de um acidente com vítimas.

Este acidente é parte de uma tendência maior em Portugal?

Sim. Nos últimos cinco anos, acidentes causados por chuva aumentaram 32% nas autoestradas portuguesas, segundo dados da ANSR. Trechos como o da A1 entre Coimbra e Aveiro, ou a A23 em Viseu, também registam picos de sinistralidade no outono. O problema não é só a chuva — é a falta de adaptação das infraestruturas a um clima mais extremo. Sem investimento, os acidentes vão continuar.

Quando será divulgado o resultado da investigação oficial?

A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária tem 15 dias úteis para concluir a análise técnica, conforme regulamento. O relatório deve incluir dados de drenagem, estado do asfalto, condições meteorológicas e histórico de acidentes. Mas até agora, nenhuma recomendação foi implementada após os dois acidentes anteriores — por isso, muitos esperam mais promessas do que ações.