Desde o ano passado, clínicas de obstetrícia e nutrição nos Estados Unidos e na Austrália estão registrando um fenômeno inesperado: mulheres que nunca conseguiram engravidar, mesmo após anos de tentativas, estão engravidando — e rapidamente — após começarem a tomar medicamentos como Ozempic ou Wegovy. Esses fármacos, desenvolvidos para tratar diabetes e obesidade, contêm semaglutida, um agonista do receptor GLP-1 que, ao provocar perda de peso significativa, acaba restaurando a ovulação em muitas mulheres. O resultado? Um aumento repentino de chamados “Ozempic babies” — bebês nascidos de gestações não planejadas. O fenômeno, documentado em estudos de UT Southwestern Medical Center e Flinders University, está mudando a forma como médicos prescrevem e aconselham pacientes sobre contracepção.
Como o emagrecimento revolucionou a fertilidade
Muitas mulheres com obesidade ou síndrome dos ovários policísticos (SOP) enfrentam anos de infertilidade não por problemas ovulatórios diretos, mas por desequilíbrios hormonais causados pelo excesso de peso. A ciência já sabia que, mesmo uma perda de 5% a 10% do peso corporal pode restabelecer ciclos menstruais regulares. O que ninguém esperava era que medicamentos como a semaglutida — usados principalmente para controlar a fome e acelerar o emagrecimento — seriam tão eficazes nesse aspecto.
O ensaio SELECT, liderado pela endocrinologista Dr. Ildiko Lingvay da UT Southwestern, mostrou que 44% dos pacientes que usaram semaglutida por dois anos perderam mais de 10% do peso corporal. Para mulheres com SOP, os efeitos foram ainda mais dramáticos: uma pesquisa da Flinders University, publicada em 9 de setembro de 2025, revelou que 2,2% das mulheres engravidaram nos primeiros seis meses de tratamento — e entre aquelas com SOP, a taxa foi o dobro da média. Isso equivale a milhares de gestações inesperadas em apenas um ano.
A contracaptação esquecida
Aqui está o ponto crítico: a maioria dessas mulheres não estava tentando engravidar. Muitas estavam tomando o medicamento para perder peso, controlar a glicose ou melhorar a saúde. E a maioria não usava contraceptivos eficazes — ou acreditava que os que usavam funcionavam.
Dr. Deidre McIntosh, obstetra do Cleveland Clinic, diz com clareza: “Não é exagero dizer que estamos vivendo um boom de bebês Ozempic. Elas tentaram por anos. Agora, estão tomando esses medicamentos e engravidando — sem planejar.”
Por quê? Dois motivos. Primeiro, a perda de peso restaura a ovulação. Segundo — e talvez mais preocupante —, a semaglutida retarda o esvaziamento gástrico. Isso interfere na absorção de pílulas anticoncepcionais orais. “Se o estômago demora mais para digerir, o hormônio da pílula não é absorvido direito”, explica a Dra. McIntosh. Estudos da Royal Australian College of General Practitioners confirmam: o risco de falha contraceptiva aumenta quando o medicamento é usado concomitantemente.
Na Austrália, mais de 6.000 mulheres começaram tratamentos com agonistas GLP-1 em 2022 — e mais de 90% delas não tinham diabetes. “A maioria não recebeu aconselhamento sobre contracepção”, aponta o pesquisador Prof. Luke Grzeskowiak da Flinders University. “Isso é uma lacuna grave.”
Pergunta-chave: é seguro continuar durante a gravidez?
Resposta curta: não. A Agência de Produtos Terapêuticos da Austrália (TGA) e a Food and Drug Administration (FDA) recomendam que as mulheres parem de usar semaglutida pelo menos dois meses antes de tentar engravidar. O motivo? Estudos em animais mostram riscos de baixo peso ao nascer e anormalidades esqueléticas. Embora não haja dados suficientes em humanos, alguns casos relatados por médicos mostram bebês saudáveis — mas isso não é garantia.
“É uma decisão individual”, afirma a Dra. Terri-Lynne South, especialista em obesidade da RACGP. “Você precisa pesar os riscos de continuar o medicamento contra os riscos de parar — especialmente se a obesidade ameaça sua saúde durante a gestação.”
Para mulheres que já engravidaram enquanto tomavam o medicamento, o consenso é: pare imediatamente. A New Hope Fertility e outros centros de fertilidade alertam que não há dados seguros sobre o uso durante a gravidez. O risco potencial é real — mesmo que os resultados observados até agora sejam tranquilizadores.
O que isso significa para homens e futuras gerações?
Embora o foco esteja nas mulheres, os homens também podem se beneficiar. A obesidade reduz a produção de testosterona e prejudica a qualidade do esperma. Estudos do Cleveland Clinic indicam que homens que perdem peso com GLP-1 podem ver melhora na contagem e mobilidade espermática — o que, por sua vez, aumenta as chances de concepção. Ou seja: o fenômeno dos “Ozempic babies” pode estar afetando casais, não apenas mulheres isoladas.
Qual é o próximo passo?
Clínicas de endocrinologia e ginecologia já estão ajustando protocolos. Em Dallas, os médicos agora incluem uma pergunta obrigatória: “Você está usando contracepção? E está confiante nela?” Em Sydney, os farmacêuticos estão sendo treinados para alertar pacientes sobre o risco de falha contraceptiva.
Contudo, a realidade é que muitas mulheres ainda não sabem disso. Ainda há pouca conscientização pública. As redes sociais estão cheias de histórias de mulheres que, ao postar sobre seu sucesso em emagrecer, descobriram que estavam grávidas — e nem sempre comemoraram.
Frequently Asked Questions
Como o Ozempic aumenta a fertilidade?
O Ozempic e outros medicamentos com semaglutida promovem perda de peso significativa, o que restaura o equilíbrio hormonal em mulheres com obesidade ou SOP. Isso leva à recuperação da ovulação e ciclos menstruais regulares — mesmo em casos de infertilidade de longa data. Estudos mostram que 2,2% das mulheres engravidam nos primeiros seis meses de uso, especialmente entre as que têm SOP.
Por que a pílula anticoncepcional pode falhar com Ozempic?
A semaglutida retarda o esvaziamento gástrico, o que reduz a absorção de medicamentos orais, incluindo hormônios da pílula anticoncepcional. Isso significa que o corpo pode não absorver doses suficientes para prevenir a gravidez. Médicos recomendam métodos não orais, como DIU ou implantes, que não dependem da digestão.
É seguro continuar o Ozempic se eu engravidar?
Não. A FDA e a TGA recomendam parar o medicamento pelo menos dois meses antes da concepção. Estudos em animais indicam riscos de baixo peso fetal e anomalias esqueléticas. Embora alguns bebês nascidos de mães que usaram Ozempic durante a gravidez tenham sido saudáveis, não há dados suficientes para considerar seguro — e o risco potencial é alto.
Quantas mulheres estão sendo afetadas?
Na Austrália, mais de 6.000 mulheres começaram tratamentos com GLP-1 em 2022, e mais de 90% não tinham diabetes. A taxa de gravidez foi de 2,2% nos primeiros seis meses. Com milhões de prescrições globais, especialistas estimam que dezenas de milhares de gestações inesperadas podem já ter ocorrido — e muitas ainda não foram registradas como relacionadas ao medicamento.
O que os médicos estão fazendo para resolver isso?
Clínicas nos EUA e Austrália estão atualizando protocolos: agora, todos os pacientes femininos em idade fértil recebem aconselhamento contraceptivo antes da prescrição. Alguns centros já exigem confirmação de uso de DIU ou implante hormonal. Ainda assim, a prática não é universal — e muitas mulheres não são informadas adequadamente.
Homens também podem ter melhora na fertilidade com Ozempic?
Sim. A obesidade reduz a testosterona e prejudica a qualidade do esperma. Estudos do Cleveland Clinic mostram que homens que perdem peso com medicamentos como Ozempic têm aumento na contagem e mobilidade espermática. Isso significa que, mesmo sem intenção, casais podem engravidar mais facilmente — e isso amplifica o impacto do fenômeno.